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25 de Abril de 2024

Licença maternidade, prematuridade extrema e a decisão do STF na ADI 6327/DF

há 4 anos

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria[1], a Organização Mundial da Saúde considera prematuro o bebê que nasce com menos de 37 semanas de gestação. Além deste critério, atualmente existe uma classificação de subcategorias de recém nascidos, de acordo com a sua prematuridade e sua gravidade.

Mais do que uma questão médica, o nascimento prematuro de uma criança impacta diretamente a vida de mulheres e famílias inteiras. No caso de prematuridade mais acentuada, ou seja, de nascimento de bebês com menos de 32 semanas de gestação, dentre diversos outros aspectos que afetam diretamente a vida das mães impactadas pela prematuridade, buscamos tratar aqui da questão do marco inicia da licença-maternidade para mães nessa situação.

A discussão é relevantíssima, posto que bebês que nascem em regime de prematuridade extrema normalmente passam longos períodos internados, necessitando de cuidados neonatais intensivos. Não raro, as internações, a depender da gravidade da condição do recém-nascido, podem ultrapassar a barreira dos meses. E a angústia vivida pelas mães trabalhadoras, além da própria preocupação com a condição de saúde de seu filho, passa necessariamente pela “perda” de parte do tempo de licença maternidade durante a internação do bebê.

Ultrapassada a angústia da longa internação do filho, sucede-se outra: quanto tempo teremos juntos até meu retorno ao trabalho? Em muitas situações o tempo restante de licença-maternidade, se contato da data do parto ou utilizando-se das duas semanas adicionais, previstas na atual redação do art. 392, § 2º, da CLT, se resumem a pouquíssimos dias. O que fazer?

A Constituição de 1988, em seu art. , XVIII, garante à gestante o direito a licença de 120 dias, sem prejuízo do emprego e salário. O dispositivo foi revolucionário, alçado à condição de direito fundamental das trabalhadoras mães, considerando a redação do art. 392, da CLT, vigente à época, que apenas proibia o trabalho da mulher grávida 4 (quatro) semanas antes e 8 (oito) semanas depois do parto, sem qualquer indicação legal sobre a garantia de salário ou emprego.

Somente em 2002 houve a alteração legislativa da CLT, muito embora os tribunais nacionais já estivessem observando a aplicação imediata da redação do art. , XVIII, da Constituição. A partir da Lei n. 10.421/2002, o art. 392, da CLT, passou a ter a mesma redação do dispositivo constitucional, trazendo, em seus parágrafos, a forma de exercício do direito à licença à gestante e puérpera. Sobre o tema, transcrevemos aqui o caput e parágrafos relevantes para a nossa análise do direito em questão:

Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário

§ 1o A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28º (vigésimo oitavo) dia antes do parto e ocorrência deste.

§ 2o Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados de 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico.

§ 3o Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos neste artigo.

Conforme se observa, a forma de exercício do direito à licença é a apresentação de atestado médico recomendando o afastamento até o 28º dia anterior à data do parto ou a ocorrência deste. Disso resulta que é possível (não mandatório, mas verdadeira opção da gestante) que a licença de 120 dias tenha seu gozo antecipado para antes mesmo do parto, situação em que a contagem do prazo de 28 dias pré-parto, previsto no § 1º, deverá considerar a data provável do parto, data esta indicada pelo médico, conforme as regras do estado de arte médica.

O § 2º, do mesmo art. 392, trouxe a indicação de que o período de licença poderá ser aumentado por até duas semanas, por recomendação médica. Nesse ponto começa a insegurança jurídica e a angústia das mães: e se houver necessidade de internação hospitalar de mães e filhos por período superior a duas semanas? O limite temporal previsto no dispositivo legal é taxativo ou pode ser elastecido conforme a indicação médica? Como visto, a questão é mais relevante quando estamos diante de bebês cuja prematuridade é extrema e as condições médicas demandem longos períodos de internação.

A lei não trata sobre a prematuridade dos bebês, é silente sobre o tema. Prematuro, extremo ou não, o máximo que a lei permite prorrogar o início da licença de 120 dias são as duas semanas previstas no § 2º, do art. 392, da CLT. Diversos movimentos de mulheres e direitos humanos incessantemente articulam ações e pautas sobre o tema, pressionando não apenas o legislativo, mas as próprias organizações empregadoras, sindicatos representativos e associações de servidores públicos para que se reconheça o direito de início do gozo da licença-maternidade para após a alta hospitalar, seja da mãe, seja do filho.

Por muitos anos estas questões dependeram quase que exclusivamente da boa vontade e compreensão da relevância social do tema por empregadores, públicos ou privados, ou pela via de decisões judiciais. No entanto, mesmo buscando socorro no Judiciário, muitas mães não eram atendidas em seus pleitos de prorrogação da licença maternidade para além da internação hospitalar, e viam o seu direito fundamental, e de seu filho, se perdendo dentro de longas internações hospitalares, cuja condição muitas vezes sequer permitia o contato materno intenso e necessários nos primeiros meses de vida que a licença-maternidade busca proporcionar.

Não obstante o calvário aqui descrito, uma luz se acendeu no universo jurídico no primeiro semestre deste 2020. O Partido Solidariedade ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade, distribuída no Supremo Tribunal Federal sob número ADI 6327/DF, de relatoria do Min. Edson Fachin. O pedido vem buscando o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 392, § 1º, da CLT, e art. 71, da Lei n. 8213/91, sem redução ou supressão de texto, pela técnica da interpretação conforme a constituição. O objetivo da ação direta é que se reconheça como “marco inicial da licença-maternidade a alta hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último”[2]. Em março de 2020, o Min. Edson Fachin, monocraticamente, deferiu a liminar requerida pelo partido autor, para determinar a interpretação conforme o pedido formulado.

A decisão monocrática foi submetida ao Plenário Virtual e confirmada pela Corte. Vejamos o termo do extrato da ata de julgamento:

O Tribunal, por maioria, preliminarmente, conheceu da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e, no mérito, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, referendou a liminar deferida a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), e assim assentar a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que indeferia a liminar. O Ministro Gilmar Mendes acompanhou o Relator com ressalvas. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 27.3.2020 a 02.04.2020. – grifo nosso

Em seu voto, que também é uma fonte riquíssima de ensinamento sobre o princípio da fungibilidade no controle concentrado de constitucionalidade e sobre o conceito de preceito fundamental, o Ministro Relator entendeu que, pelo menos dentro de uma análise superficial da questão, há deficiência no princípio da proteção da criança nascida prematura, pelo que estaria violado o direito fundamental à proteção à maternidade e à infância como direito social (art. 6º, caput, da Constituição) e o direito à vida e à convivência familiar da criança, em caráter de absoluta prioridade (art. 227, da Constituição).

Segue o voto apontando que a ausência de lei expressa não implica a ausência de norma sobre o tema, notadamente por se tratar de direito social e, portanto, direito fundamental que demanda prestação estatal positiva. Nas palavras precisas do Ministro Fachin:

No entanto, penso que a ausência de previsão legal não é óbice legítimo. A ausência de lei não significa, afinal, ausência da norma.

Entre a autocontenção e a discricionariedade/ativismo judicial existe uma margem de normatividade a ser conformada pelo julgador dentro dos limites constitucionais. Essa margem ganha especial relevância no tocante à efetivação dos direitos sociais, que, como se sabe, exigem, para a concretização da igualdade, uma prestação positiva do Estado, material e normativa. Nestes casos, a efetividade dos direitos sociais não só não afasta, como depende da atuação jurisdicional até mesmo para enriquecer a deliberação pública (GARGARELLA, Roberto. Democracia deliberativa y judicialización de los derechos sociales. ALEGRE, Marcelo; GARGARELLA, Roberto (coord). El derecho a la igualdad: aportes para un constitucionalismo igualitario. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2007, p. 121-144, p. 134-135).

(...)

Trata-se, assim, de reconhecer uma omissão legislativa. O Min. Barroso defende que a omissão parcial comporta duas espécies: a chamada omissão relativa e a omissão parcial propriamente dita. Nesta, o legislador atua de modo insuficiente ou deficiente em relação à obrigação que lhe cabia, o exemplo clássico é o salário mínimo (ADI n.º 1458). Naquela, a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, em violação à isonomia, deixando o ato impugnado de prever o alcance do dispositivo a outras categorias (BARROSO, Luís Roberto O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 298). É o caso.

Por sua vez, o eminente professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ao desenvolver uma teoria sobre igualdade, salientou a importância de se investigar o critério discriminatório e se há uma justificativa racional – abstrata e, também, concreta – para que este sirva de fundamento lógico para um tratamento desigual (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 21-22). Não há.

Em suma, a decisão do Supremo reconhece, ainda que em uma cognição sumária e preliminar, que a proteção à maternidade e à convivência familiar são preceitos fundamentais, a merecer acolhida pela via da arguição de descumprimento de preceito fundamental. Determina, ainda, em caráter liminar e até que a Corte novamente trate do tema, de forma definitiva, que se considere como o marco inicial da licença maternidade a alta hospitalar da mãe ou filho, o que ocorrer primeiro.

Por certo, se trata de um provimento cautelar, de forma que a decisão do STF ainda não é definitivo. No entanto, pelo menos por enquanto e até que o Supremo novamente debruce-se sobre o tema, essa é a garantia que socorre mulheres que precisam canalizar suas energias para o restabelecimento de seus filhos. Certamente, uma preocupação a menos e uma garantia de humanização em um momento de tanta relevância para a vida de mães e filhos.

[1] Fonte: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Nota_Tecnica_2019_Prematuridade.pdf. Pesquisado em 22/07/2020.

[2] Trecho da petição inicial da ADI 6.237/DF. Fonte: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5870161. Pesquisado em 23/07/2020.

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